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segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Mentiras Sinceras As Vezes Interessam.

Uma coisa intrigava Celleny: "Será que Viriato realmente gosta de mim?" pensava ela de quando em vez. Era compreensível pensar assim, já que ele não demonstrava ciúmes. Foi ele quem lhe tirara a virgindade, sempre foi ele o homem que ela gostou de verdade e ele sempre a quis por perto. Nunca se deixaram.

Certa vez num restaurante os dois almoçavam quando em meio aos vários assuntos veio à tona falar sobre trabalho. Aliás, como podemos fazer para não falarmos sobre trabalho numa mesa de um restaurante? Tem  como? Alguém me ensina? Bem, enquanto falavam de trabalho ele citou um problema que tinha com organização no departamento que trabalha durante o dia e comentou: "Semana próxima entrarão novos servidores, estou torcendo para que pelo menos um vá ao meu departamento. Aliás, melhor seria uma mulher.......(um gole na cerveja, um longo gole para matar o calor)..... para me ajudar a organizar". Celleny era de um ciume incontrolável, já chegou até a telefonar mais de cinquenta vezes num mesmo dia, entre chamadas não antendidas, ignoradas e atendidas. Quando ele citou a preferência por uma mulher no departamento, enquanto tomava o gole de cerveja antes de completar a motivação desse desejo (a organização feminina no departamento) ela em segundos imaginou beijos ardentes dentro da sala de trabalho, mãos bobas, suspiros ardentes na hora do almoço e tantas outras loucuras entre Viriato e uma possível nova colega. Continuou: "Sim Celleny, eu prefiro uma mulher. Homem é bom de trabalhar, somos geralmente menos complicados, mas mulher tem o instinto natural de ser mais observadora, mais organizada. Homem geralmente é mais desorganizado do que uma mulher". Naquele momento ela quis discordar mas não sabia citar um exemplo e como ela conhecia bem seu Viriato, ele iria querer uma comprovação de um homem que fosse referência em organização mas não achou, porém recordou-se de um professor que leciona na mesma escola que ela (Celleny é professora) e que lhe paquerava havia meses. Este professor mora sozinho e pelo modo que falava, parecia ser uma pessoa organizada. Nesse momento passou pela cabeça da Celleny uma idéia: "Quero ver agora se ele gosta de mim", e falou: "Mas tem sim homem organizado, eu mesmo conheço um que o apartamento dele é super organizado". Isca atirada e mordida de bate pronto. Ao ouvir aquela frase, Viriato que nunca mostrou-se ciumento lembrou que ela já havia lhe falado sobre um professor que a paquerava e morava sozinho, então ele retrucou: "Celleny, te referes ao professor que trabalha contigo? Como sabes que o apartamento dele é organizado? Quando fostes lá"? Ir a um apartamento de um colega de trabalho até que seria normal, isso se a distância entre a casa dela e o local não fosse de 40 km aproximadamente e nem ela nem ele possuírem veículo próprio. Contramão. De modo algum o apartamento do tal professor seria caminho para qualquer lugar onde ela frequentasse em algum dia de sua vida. Não haveria outra explicação para ir à casa do tal professor se não fosse a pura intenção de ir até lá. Impossível parar para fazer uma horinha ou para dar uma passadinha já que estava por ali.

"Celleny, o que você foi fazer na casa desse professor?" falou com o estômago já ardendo de raiva, mas sem elevar a voz. Celleny ficou pensativa, jogara aquela informação para ver a reação do seu amado mas não sabia o que fazer dali pra frente. Decidiu segurar a história: "É que uma outra professora é afim de ficar com ele, aí ela me pediu pra marcar alguma coisa na casa dele, de almoçar lá, aí disse que era pra eu marcar de ir lá com ela e blablablabla......". Era tão enrolada e absurda a história que ela começara a contar que não ajudou em nada. Viriato que por alguns instantes estava gelado por sentir-se culpado da possível traição da companheira (sim, ele numa autocrítica rápida, julgou que talvez não estivesse suprindo-a como ela merecia) passou a sentir raiva pelas mentiras deslavadas que ela tentava justificar. Ser traído era uma coisa, ser feito de idiota já era pedir demais. Então ele disse "Celleny, você está mentindo. Diga-me a verdade!", mas ela insistia "Amor, eu juro, eu juro que estou falando a verdade, eu juro!". Não adiantava jurar, as mentiras eram de péssima qualidade, ele que era um enrolão profissional não admitiria ser enganado por tão amadora mentira. "Celleny, você está mentindo. Diga-me a verdade. Eu não quero tua fidelidade, quero tua lealdade, por isso diga-me somente o que aconteceu por favor!". Celleny já não sabia o que dizer e nervosa respondeu: "Tá certo, eu fui lá sozinha, não fui com ninguém. Mas fui somente almoçar lá e de lá fomos dar aula (40 km até a casa dele e depois uns 50 km até a escola só para almoçar?) eu juro, eu juro!".

Viriato com o copo na mão olhava para as mesas ao lado e balançava a cabeça negativamente. "Celleny, você continua mentindo. Diga-me o que aconteceu lá. Você não saiu do bairro da Boa Vista em Recife até o Bairro de Maria Farinha na cidade de Paulista para somente almoçar e vir depois dar aula no bairro de Roda de Fogo no Recife. Isso é ridículo. Conte-me a verdade!". A comida no prato já esfriara. Na mesa, a cerveja havia se acabado mas ele não queria mais nada, queria somente que ela confirmasse o que a imaginação dele já lhe mostrava. Desde que ela começara a história ele parou para imaginar e viu ela entrando no apartamento, colocando a bolsa num centro. Viu ele oferecendo um vinho tinto gelado enquanto a comida ficava pronta. Viu o conquistador ligando o home teather e colocando um dvd de musica internacional. Viu ela indo até o banheiro para checar seu perfume, arrumar a maquiagem. Viu os dois num sofá conversando baixinho aos goles do vinho gelado e em risadas gostosas. Viu os dois se beijando e ele a descascando com a voracidade de um solteirao predador. Viu ela despir-se com a caliencia que lhe é própria. Viu-a nua, todo seu quadril imensamente largo e lindo, viu-a depilada como só fazia para ele até então. Viu os dois num baile corporal trocando suor, suspiros e gemidos no sofá com ela pulando em cima dele embriagada de tesão e vinho. Viu os dois indo até a cama e esquecendo o almoço até o corpo não aguentar mais.

O coração de Viriato pulava de ansiedade. Então ela que não aguentava mais segurar aquela mentira decidiu por fim àquela péssima idéia. "Viriato, eu vou contar a verdade. Eu nunca fui na casa deste professor, nem sei onde ele mora, só sei o bairro, não sei mais nada. Inventei toda esta história porque eu queria ver tua reação. Tu nunca demonstrastes ciumes por mim, então eu quis inventar tudo isso para ver como tu reagirias. Acredite em mim, eu juro!". Naquele momento Viriato se enfureceu. Óbvio que ele não acreditara em nenhuma palavra dita por Celleny. Seria a terceira mentira. Dessa vez ela chorava, se desesperava, jurava por Deus e o mundo, jurava pela mãe, pela avó falecida, mas não adiantou. Viriato pediu a conta e saiu mudo. Entraram no carro e levou-a em casa sem dizer uma só palavra. Ela insistia durante todo o trajeto para que ele acreditasse, mas ele nada respondia. Ela desceu, entrou no prédio e ele foi embora. Por torpedo comunicou-a "Quando quiser dizer a verdade, telefone-me".

Celleny subiu ao apartamento aos prantos. Não quis falar com a mãe, nem com o irmão. Entrou em seu quarto e desabou na cama, chorando e esmurrando o colchão arrependida da péssima idéia que tivera. Estragara o almoço, perdera o amigo(namorado, ficante, sei lá) que agora queria ouvir uma verdade que não existia. Então depois de chorar durante horas ela pensou: já perdí Viriato mesmo, pelo menos quero perde-lo com fama apenas de infiel e não de infiel e mentirosa. Se ele acha que eu o traí, se ele só acredita nisso, é isso que finalmente eu direi".

O celular tocava pela terceira vez, Viriato não sentia vontade de atender, mas resolveu finalmente dar uma chance.

- Alo
- Alo,Viriato?
- Oi Celleny.
- Pode vir aqui? Quero te dizer a verdade!!

Em poucos minutos Viriato chegara à casa da Celleny, que disse:

- Meu amor, eu confesso. Fui à casa do professor, estava me sentindo sozinha, você não está sempre aqui comigo, me dá pouca atenção. Queria sentir-me interessante, queria sentir-me atraente, paquerada, então fui lá sim. Beijei-o, deixei que me beijasse, fiquei semi-nua, deixei que me beijasse os seios, as costas, deixei que tocasse no meu sexo mas quando ele tentou tirar minha calcinha eu tomei um susto, caí em mim, empurrei-o vestí-me e saí correndo e chorando dalí. Não tive coragem de transar com outro homem que não fosse você. Desculpa, se não quiser acreditar em mim eu vou entender.

Agora a história parecia mais próxima da realidade. Mesmo não chegando a tudo que Viriato havia pensado, aquela história faria sentido. Celleny conseguira criar um fato que o colocou para pensar e dizer: "Celleny, desculpe-me. Reconheço que não estou oferecendo toda a atenção e carinho de que és merecedora. Agradeço por não ter me traído por completo. Gosto de ti e perdoo porque não és culpada de nada, eu sim sou o culpado de tua atitude impulsiva". E assim beijaram-se e naquela noite visitaram juntos e intensamente todas as estrelas.

Nem sempre a verdade sacia a necessidade de quem precisa ouvir. As vezes mentiras sinceras interessam um pouco mais.