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quarta-feira, 6 de outubro de 2010

DIA DE ELEIÇÃO

Aos sessenta e cinco anos de idade Sr. Elias estava lúcido e continuava sério, homem de poucas e duras palavras, daquele tipo de senhor que causa certo medo. Quinze anos atrás sofrera um acidente vascular cerebral que lhe tirou o movimento de todo lado esquerdo do corpo e, revoltado com o fato, mal saia de casa. Tornando-se, assim, uma pessoa de pouquíssimas palavras e com uma criatividade bastante rápida para distribuir desaforos.
A revolta do Sr. Elias era compreensível. Desde novo trabalhava viajando por todo o nordeste brasileiro, mal parava em casa. Tornou-se pai muito cedo de quatro filhas e quatro filhos e também se tornou avô muito cedo. Os dois primeiros netos, casal com diferença de apenas dois anos de um para o outro, ficavam felizes ao ver o Sr. Elias quando crianças. Como o vovô viajava demais, era uma grande alegria para todos poder passar algumas horas escutando as histórias, várias, que eram do repertório. Aos 50 anos a alegria foi retirada daquele senhor de estatura baixa e desde então a única diversão do Sr. Elias era ficar diante da televisão. Os filhos e netos até tentavam animá-lo, passear com ele, mas o vovô Elias tinha uma certa vergonha de não conseguir caminhar sem ajuda e rechaçava a ideia de utilizar-se de cadeira de rodas.
Anos se passaram, Sr. Elias sempre de frente a televisão assistia desde desenhos animados a novelas, desde seriados a filmes bons e ruins, todos os telejornais, programas de humor, enfim, o controle remoto mais parecia ser um membro a mais de seu corpo. O horário que mais o animava era os dos telejornais, em especial o noticiário político. Escândalos, crises, Sr. Elias assistia a tudo maravilhado enquanto comentava – Ninguém mais presta, tudo corrupto, tudo incompetente.
Naquele ano houve eleições, um dia antes do pleito Sr. Elias convoca um dos filhos:
- Inaldo! Vem aqui!
- Oi papai!
- É o seguinte, amanhã são as eleições, eu quero ir votar.
Inaldo sabia que o pai não precisava ir votar. Aposentado por invalidez, nada obrigava o Sr. Elias a ir até as urnas naquele dia. Mas o pedido pareceu-lhe interessante, até porque Sr. Elias nunca saia de casa, nunca queria sair e negava todos os convites para passeios para onde quer que fosse. Respondeu:
- Ok papai, vamos sim...
- Ah, e vou logo dizendo, não quero saber de cadeira de rodas.
- Mas papai...
- É assim e pronto. Eu vou votar, você vai me levar até lá.
No dia do pleito acordaram cedo, Inaldo ajudou o pai a tomar banho, deu-lhe comida e foi com muita dificuldade ajudá-lo a sentar no carro.
Chegaram à escola, cheia de gente. Pessoas que há anos não se viam estavam aproveitando o reencontro que só acontece em dia de eleições. Ao verem pai e filho com muita dificuldade saindo do carro houve comoção geral:
- Olhem, isso que é exemplo de cidadania, olha que coisa bonita!!
- Gente, o rapaz está levando aquele senhor praticamente nos braços para votar, isso é que é um brasileiro consciente.
Uns jovens parados ali na escola comentavam:
- Eu nem ia votar. Mas olha ali, tenho até vergonha de não ir.
Uma multidão começou a se juntar para ver aquela cena, algumas pessoas se ofereciam para ajudar, mas Inaldo, agradecendo, dizia que não precisava. Até precisava, no entanto sabia que o Sr. Elias não admitiria que pessoas o tratassem igual a “aleijado”.
Naquela escola, grande, central de um bairro grande do Recife estava a imprensa fazendo a cobertura das eleições. Quando viram a cena avançaram em cima e no link ao vivo a repórter emocionada transmitia:
- Estamos aqui direto da escola Clóvis Beviláqua em Recife onde podemos ver uma cena emocionante. Ali o filho carrega nos braços o pai rumo ao exercício da cidadania. Vamos tentar falar com eles.
- Bom dia, mesmo com dificuldade não vão deixar de votar, não é?
Inaldo com um sorriso meio amarelo respondeu ofegante:
- Oi, bom dia, desculpa papai não gosta muito de falar.
Mesmo assim as câmeras fixaram nos dois, outros veículos de imprensa estavam curiosos para sabere em quem aquele senhor tão consciente votaria, pessoas aplaudiam, ofereciam água mineral, chocolate, ajuda, uns mais emocionados tinham água nos olhos, candidatos que votam na mesma escola tentavam se fazer percebidos em oferecer algum tipo de ajuda. Debaixo de aplausos o Sr. Elias entra na seção eleitoral, assina e segue, auxiliado pelo filho, em direção a urna eletrônica. A presidente da mesa dá a autorização:
- Sr. Elias, o senhor pode votar.
Vários curiosos se esticavam na porta da sala onde não dava para ver o Sr. Elias, mas podiam ver o rosto de seu filho arregalando os olhos numa expressão desesperada enquanto Sr. Elias digitava zero em todos os candidatos e em seguida dizia:
- Tudo ladrão, tudo ladrão.

3 comentários:

  1. quem é a fã nº 1 ??!!!
    eu, né!!!

    adorei... aliás...
    te admiro a cada dia mais... pelo que escreves tão maestrosamente bem... e por quem és!

    te adoroooo!!!!!

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  2. qualquer semelhança entre o sr. elias e vovô joão é uma mera coinscidência...

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  3. Muito bom,Sr.Elias certíssimo inclusive👏👏👏👏

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Quem disser que escreve APENAS por hobbie e não faz questão que ninguém comente É UM GRANDE MENTIROSO!!